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Henrique Dutra

Henrique Dutra

A resolução que exige o uso do Vale-Pedágio Obrigatório (VPO) eletrônico por embarcadores e transportadores passou a vigorar nesta quarta-feira. De acordo com a nova regra da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), empresas e responsáveis pelo pagamento do VPO para caminhões no Brasil devem substituir cartões e outros meios físicos por meios eletrônicas.

A Resolução 6.024/2023 da ANTT obriga o pagamento do VPO pra caminhões exclusivamente por tags eletrônicas. Embarcadores e transportadores tinham até o 31 de dezembro de 2024 para se adequar a norma. O descumprimento da nova regra está sujeito à multa de até R$ 10.500,00.

O que muda com Vale-pedágio Obrigatório eletrônico?

Pagamento antecipado e registro eletrônico

A norma reforça que o embarcador deve antecipar o VPO ao transportador. Ele deve realizar o pagamento por meio de empresas credenciadas pela ANTT e registrar o pagamento no Documento de Transporte Eletrônico (DT-e). O uso de dinheiro para antecipação é proibido.

Introdução do sistema Free Flow

A resolução oficializa a possibilidade de adoção do sistema Free Flow, que permite a cobrança de pedágios sem praças físicas. Nesse modelo, pórticos automáticos registram os veículos, exigindo do embarcador o pagamento antecipado do valor máximo para o trecho contratado.

Reembolsos e ajustes de rota

O contratante pode solicitar o reembolso dos valores pagos e não utilizados à Fornecedora de Vale-Pedágio Obrigatório (FVPO). Além disso, se houver alteração de rota por força maior, as partes devem ajustar a diferença do pedágio ao final da viagem.

 

Benefícios do VPO eletrônico

De acordo com André Turquetto, CEO da Veloe e presidente da Abepam (Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade), a resolução da ANTT é um marco importante para a modernização do setor de transporte no Brasil. "Com a novidade, damos um passo crucial para aumentar a eficiência e a transparência nas operações de pedágio. Esta mudança irá beneficiar toda a cadeia logística, promovendo uma maior fluidez nas rodovias e contribuindo para a redução de custos operacionais”, pontua.

Ademais, conforme Turquetto, a implementação da resolução está projetada para gerar um impacto econômico positivo no setor. Dessa forma, a Abepam estima que a transição para um sistema digital pode gerar economias de até R$ 7 bilhões anuais para as transportadoras, além de reduzir os custos operacionais e aumentar a eficiência da cadeia logística do país.

Descumprimento pode render multa de R$ 10.500,00

A nova resolução da ANTT estabelece multas severas para diferentes partes envolvidas na operação do Vale-Pedágio Obrigatório. O contratante que não adquirir e disponibilizar o VPO ao transportador rodoviário de carga até o momento do embarque estará sujeito a uma multa de R$ 3.000,00 por veículo e por viagem, independentemente do valor do frete. Essa medida visa garantir que o pedágio seja pago corretamente antes do início do transporte, evitando contratempos durante a viagem.

Ademais, as fornecedoras de Vale-Pedágio têm a obrigação de cumprir uma série de requisitos, sob pena de multas que variam de R$ 1.100,00 a R$ 10.500,00, dependendo da infração. As penalidades incluem falhas no registro e comunicação do fornecimento do VPO, não repasse do valor ao transportador ou concessionária, e a não manutenção dos dados operacionais por 5 anos. As fornecedoras também devem garantir a integração de seus sistemas para disponibilizar informações e garantir a transparência nas operações.

Por fim, as concessionárias de rodovias também enfrentam multas por falhas em comunicar irregularidades, não informar os modelos de VPO aceitos, e não disponibilizar dados sobre tarifas de pedágio e outros dados necessários. Além disso, elas devem garantir que seus sistemas aceitem todos os modelos de VPO aprovados pela ANTT e não interrompam as operações das empresas fornecedoras sem autorização. As multas aplicadas variam de R$ 550,00 a R$ 10.500,00, dependendo da infração cometida.

​​A logística está presente em todas as etapas do processo de produção de bens. Após a fabricação, a empresa tem de contratar outra para fazer o transporte, o que envolve relacionamento com motoristas, pagamento de vale-pedágio, cálculo de impostos, definição da quantidade de carga a ser transportada e outras decisões.

Toda essa atividade gera números impressionantes: o Brasil transporta anualmente 2,4 bilhões de Toneladas por Quilômetro Útil (TKU). A unidade utilizada pelo setor para medir a movimentação de cargas mensura o esforço físico, multiplicando a tonelagem transportada pela distância percorrida.

Mas o melhor indicativo da relevância do setor está no seu impacto para a economia nacional: crescimento de 2,2% em 2018 – o dobro do registrado pelo país –, chegando a R$ 256 bilhões, ou 3,75% do PIB, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Em cada etapa desse processo há leis específicas a serem aplicadas, e não raramente os agentes em conflito buscam uma resposta do Judiciário. Nesse contexto, a atuação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é determinante para o bom funcionamento do setor.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Logística e Transporte de Cargas (ABTC), Pedro Lopes, a contribuição do Judiciário tem sido fundamental.

"Sem dúvida, nesta última década, as decisões dos tribunais superiores foram de grande importância para o setor do transporte rodoviário de carga. Essas decisões atenderam o reclamo do setor transportador em várias teses, especialmente tributárias", afirmou o presidente da ABTC.

Ele destacou que, além das decisões em processos diretamente relacionados a interesses específicos dos transportadores, a atuação do STJ em alguns assuntos de maior abrangência tem gerado efeitos relevantes para o setor, como, por exemplo, no recente julgamento do Tema 994 dos recursos repetitivos, quando a Primeira Seção fixou a tese de que "os valores de ICMS não integram a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB)", prevista na Lei 12.546/2011.

No campo da logística, 65% da movimentação de mercadorias e 95% da movimentação de passageiros acontecem por estradas. Entre os modais, há uma preponderância do terrestre via caminhão para o transporte de cargas e ônibus para o de passageiros.

De acordo com o Plano Nacional de Logística (PNL 2025), os custos com a logística dos transportes terrestres alcançam 11,7% do faturamento das empresas. É um setor vital para a economia – e pauta corriqueira no Judiciário.

Na primeira parte desta reportagem, são apresentadas algumas decisões do STJ que estabeleceram importantes precedentes para o transporte rodoviário de cargas.

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Excess​​o de peso

Um dos problemas mais comuns enfrentados pelo motorista nas estradas são os buracos. Em grande parte, a deterioração do asfalto é causada pelo excesso de peso dos próprios caminhões.

Em 2017, ao analisar o REsp 1.574.350, a Segunda Turma decidiu que a previsão de multa no artigo 231 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não impede as transportadoras de serem condenadas, em ação civil pública, a pagar indenização por danos materiais e morais coletivos decorrentes de abuso nos limites de carga.

A turma deu provimento ao recurso do Ministério Público Federal (MPF) para determinar que as instâncias ordinárias fixassem os valores da indenização, bem como para possibilitar a aplicação de multa de R$ 50 mil toda vez que um caminhão da empresa ré fosse flagrado novamente transportando cargas em excesso.

Segundo os autos de infração da Polícia Rodoviária Federal, a transportadora foi autuada 85 vezes em dez anos. O MPF notificou a empresa e buscou firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), porém sem sucesso. A empresa alegou que, se aceitasse o TAC, ficaria em desvantagem frente às concorrentes.

O relator do caso, ministro Herman Benjamin, disse que, para a empresa, a lucratividade com o excesso de peso compensa eventual pagamento da multa administrativa prevista no CTB – infração média cuja punição é de R$ 130,16, mais a adição de até R$ 53,20 se o excesso de carga for superior a cinco toneladas. Para o ministro, tal cenário "só comprova a absoluta incapacidade da sanção para reprimir e desencorajar a conduta legalmente vedada".

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De acordo com o relator, não há bis in idem, ou seja, não há dupla condenação pelo mesmo fato ao se permitir a aplicação de sanções no âmbito da ação civil pública, porque a multa prevista no CTB é apenas uma das punições possíveis.

O ministro explicou que as multas administrativa e civil são independentes entre si, uma vez que a administrativa destina-se a punir atos já praticados, "enquanto a multa civil imposta pelo magistrado projeta-se, em um de seus matizes, para o futuro, de modo a assegurar a coercitividade e o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer, legal ou judicialmente estabelecidas".

Herman Benjamin disse que o nanismo e a leniência da pena administrativa "debocham do Estado de Direito", desacreditando o "festejado império da lei". Ele afirmou que a ganância da transportadora ré da ação civil pública espelha uma cultura de licenciosidade infracional, que transforma a ilegalidade em prática rotineira e hábito empresarial.

O ministro destacou que o Brasil tem um dos trânsitos mais violentos do mundo, e estima-se que 43% dos acidentes nas estradas federais terminem com mortos ou feridos, totalizando uma morte para cada dez quilômetros de rodovia e 234 para cada milhão de habitantes.

 

 

Entendimento rat​​ificado

Recentemente, ao julgar o AREsp 1.137.714, os ministros da Segunda Turma ratificaram aquele entendimento. Coube ao ministro Francisco Falcão, relator, enfatizar a independência entre as instâncias administrativa e judicial para justificar a possibilidade de uma ação civil pública como meio de coibir o excesso de peso nas estradas.

Também nesse caso, acolhendo a proposta do MPF para desestimular a conduta indesejada, os ministros consideraram razoável a multa de R$ 50 mil para cada veículo de carga da empresa ré que fosse flagrado transitando com excesso de peso.

O ministro Francisco Falcão lembrou que a sanção administrativa não esgota o rol de respostas persuasivas, dissuasórias e punitivas do ordenamento jurídico no esforço de reparar e reprimir infrações.

"A admissibilidade de cumulação de multa administrativa e de multa civil integra o próprio tecido jurídico do Estado Social de Direito brasileiro, inseparável de um dos seus atributos básicos, o imperativo categórico e absoluto de eficácia de direitos e deveres" – resumiu o ministro ao justificar a fixação da multa civil pretendida pelo MPF.

Eixo su​​spenso

Com o objetivo de reduzir os custos de operação, novas tecnologias foram introduzidas no setor de transportes, como o sistema que permite ao caminhão trafegar com um ou mais eixos suspensos quando está vazio. O avanço tecnológico surgiu antes da lei: o STJ teve que se pronunciar a respeito da possibilidade de isenção do pedágio para o eixo suspenso.

Em 2009, a Primeira Turma analisou no REsp 1.077.298 o pedido de uma concessionária de rodovias para possibilitar a cobrança do pedágio pelo número de eixos, independentemente do contato com o solo.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) havia admitido a isenção do pedágio para o eixo suspenso.

Ao dar provimento ao recurso da concessionária e permitir a cobrança, a relatora, ministra Denise Arruda, chamou a atenção para o fato de que o eixo poderia ser erguido com um simples toque de botão na cabine do motorista – o que, na visão da magistrada, daria margem a fraudes.

Além da ausência de previsão legal para a isenção, os ministros analisaram a questão sob o ponto de vista da conservação das estradas.

"Basta imaginar que um caminhão de 15 toneladas com os cinco eixos tocando o asfalto produzirá menos desgaste que outro, nas mesmas condições, que estiver com um dos seus eixos suspenso, ainda que observadas as normas administrativas que definem os limites de peso, normalmente fixados com base na quantidade de eixos do veículo", explicou Denise Arruda.

Desg​​aste da via

A ministra frisou que, nessa hipótese, ocorrerá maior desgaste da via, o que poderia até justificar a cobrança de tarifa mais alta.

"Considerando que a legislação que trata da matéria não impede a fixação da tarifa com base no número de eixos dos veículos e que essa parece ser a forma mais objetiva de fixá-la, deve prevalecer a sistemática prevista no contrato de concessão", concluiu.

Após a decisão do STJ, o Congresso Nacional buscou maneiras de solucionar o conflito entre transportadores e administradores de rodovias. Em 2015, a Lei 13.103 previu a isenção da tarifa de pedágio para o eixo suspenso no caso de caminhão vazio (regra aplicável às rodovias federais).

Em 2018, uma das providências do governo para responder à greve dos caminhoneiros ocorrida em maio foi a edição de uma medida provisória que permitiu a isenção do pedágio também nas rodovias estaduais, alterando a redação da Lei 13.103/2015. A MP foi convertida na Lei 13.711/2018.

Vale-ped​​ágio

Outra questão relacionada a pedágio analisada pelo tribunal foi o vale-pedágio. A Lei 10.209/2001 instituiu a regra de que o pedágio deve ser pago antecipadamente ao transportador pelo contratante do serviço de transporte, sob pena de multa no valor correspondente ao dobro do frete.

Em julgamento recente, a Terceira Turma analisou o REsp 1.694.324 e concluiu que a multa prevista no artigo 8º da lei é legítima e não caracteriza violação aos artigos 412421 e 422 do Código Civil.

No caso julgado pelo STJ, uma transportadora entrou com ação para cobrar de uma empresa de alimentos os valores referentes ao vale-pedágio não pagos antecipadamente. A sentença e o acórdão, mantidos pela Terceira Turma, foram favoráveis à transportadora.

Lei espe​​cífica

Os ministros discutiram a aplicabilidade do artigo que prevê multa igual ao dobro do frete. Para o ministro Moura Ribeiro, a razão do vale-pedágio foi beneficiar, de modo geral, os transportadores, os embarcadores (donos das cargas) e as concessionárias de rodovias. Segundo o ministro, a norma é bem articulada para prestigiar os interesses das partes envolvidas na prestação de transporte de mercadorias.

Moura Ribeiro afirmou que, embora o artigo 412 do Código Civil proíba a adoção de cláusula penal superior ao valor da obrigação principal, deveria prevalecer no caso a penalidade conhecida no meio dos transportes como "dobra do frete", instituída em lei específica.

"Por se tratar de norma especial, a Lei 10.209/2001 afasta a possibilidade de convenção das partes para alterar o conteúdo do seu artigo 8º, bem assim a possibilidade de se fazer incidir o ponderado artigo 412 do CC/2002, lei geral."

Entendimento em sentido oposto, segundo o ministro, poderia esvaziar a lei específica, tornando-a ineficaz e trazendo transtornos aos agentes econômicos ligados ao transporte rodoviário de cargas.

Além disso, Moura Ribeiro assinalou que "a cláusula penal é uma penalidade, de natureza civil, pactuada pelas partes no caso de violação da obrigação, mantendo relação direta com o princípio da autonomia privada", enquanto "a penalidade prevista no artigo 8º da Lei 10.209/2001 é uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o vale-pedágio obrigatório".

Roubo de c​argas

Quando a carga nem chega ao destino, surge, muitas vezes, a discussão judicial sobre quem fica responsável pelos prejuízos. Desde 1994, o STJ tem o entendimento de que o roubo de carga constitui motivo de força maior capaz de afastar a responsabilidade da transportadora, a menos que seja demonstrado que ela não adotou as cautelas que razoavelmente se poderiam esperar. A tese foi fixada pela Segunda Seção no REsp 435.865.

Em 2018, ao analisar o REsp 1.676.764, a Terceira Turma condenou uma transportadora a indenizar em R$ 170 mil a cliente cuja carga foi roubada em São Paulo. Para o colegiado, o alto valor da carga impunha à empresa a obrigação de adotar outras cautelas além de realizar o transporte por uma rota em horário movimentado.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que o roubo à mão armada era motivo suficiente para excluir a responsabilização civil da transportadora.

No caso analisado, a empresa contratada para o transporte de chapas de inox avaliadas em R$ 340 mil subcontratou o serviço; além disso, não fez seguro suficiente para cobrir o valor integral da mercadoria.

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Além das regras de trânsito, transporte de carga envolve outras normas, como a lei que fixa o vale-pedágio obrigatório.​​​

Risco prev​isível

No julgamento do recurso, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, destacou que a transportadora poderia ter adotado algumas medidas para minimizar o prejuízo ou até mesmo evitar o sinistro.

"Há evidente previsibilidade do risco de roubo de mercadorias na realização do contrato de transporte de carga, tanto é assim que há obrigatoriedade na realização de seguro. E há, também, evitabilidade, se não do roubo em si, mas de seus efeitos, especialmente a atenuação dos prejuízos causados", afirmou o ministro.

A pergunta a ser feita no caso, segundo ele, é se a transportadora efetivamente adotou todas as medidas possíveis diante do risco, já que, embora o roubo à mão armada seja difícil de ser evitado, "os seus efeitos danosos podem ser, pelo menos, atenuados".

Triste realidade

Sanseverino disse que o caso ilustra bem a situação do transporte de cargas no Brasil, mostrando a triste realidade vivida cotidianamente nas estradas do país. Por um lado, citou o ministro, a empresa demandante pagou o valor "irrisório" de R$ 2.800 para que sua carga, avaliada em R$ 340 mil, fosse transportada através das regiões Sul e Sudeste.

"Ou seja, pagou 0,81% do valor da carga para realizar o transporte por uma das regiões com maior risco de assaltos e roubos de cargas do país", comentou.

Por outro lado, a transportadora que aceitou esse preço para levar "incólume" a carga valiosa su​bcontratou o serviço sem o consentimento do contratante; não contratou seguro pelo valor integral da carga; não atendeu exigências do contrato de seguro – por exemplo, o uso de rastreamento via satélite ou assistência de escolta armada –, além de não comunicar a rota de viagem à seguradora.

Tal cenário, segundo Sanseverino, demonstra os descuidos de ambas as partes, o que ampara a decisão do colegiado de dividir a responsabilidade entre as empresas.

"Nesse contexto, deve ser buscada a solução mais razoável para o presente caso, que penso estar situada na distribuição dos prejuízos financeiros advindos dessa malfadada criminalidade do roubo de carga no Brasil entre os personagens acima descritos" – justificou o ministro ao votar pela divisão da responsabilidade, limitando a condenação da transportadora à metade do valor da carga.

Neste domingo (4), a segunda parte​ da reportagem sobre o STJ e o setor de transporte e logística no Brasil traz a discussão de temas como a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos e as normas internacionais relativas ao transporte aéreo de cargas.

​​​A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em conflito de competência, determinou que cabe ao Juizado Especial Cível de Poços de Caldas (MG) julgar o processo de um motorista de aplicativo que teve sua conta suspensa pela empresa. O colegiado entendeu que não há relação de emprego no caso.

Na origem, o motorista propôs ação perante o juízo estadual solicitando a reativação da sua conta no aplicativo e o ressarcimento de danos materiais e morais. Segundo ele, a suspensão da conta – decidida pela empresa Uber sob alegação de comportamento irregular e mau uso do aplicativo – impediu-o de exercer sua profissão e gerou prejuízos materiais, pois havia alugado um carro para fazer as corridas.

Ao analisar o processo, o juízo estadual entendeu que não era competente para julgar o caso por se tratar de relação trabalhista, e remeteu os autos para a Justiça do Trabalho, a qual também se declarou impedida de julgar a matéria e suscitou o conflito de competência no STJ, sob a alegação de que não ficou caracterizado o vínculo empregatício.

Trabalho autôno​mo

Em seu voto, o relator do conflito, ministro Moura Ribeiro, destacou que a competência ratione materiae (em razão da matéria), em regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo.

Moura Ribeiro ressaltou que os fundamentos de fato e de direito da causa analisada não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, e sim a contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil.

"A relação de emprego exige os pressupostos da pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Inexistente algum desses pressupostos, o trabalho caracteriza-se como autônomo ou eventual", lembrou o magistrado.

Sem hierar​​quia

O relator acrescentou que a empresa de transporte que atua no mercado por meio de aplicativo de celular é responsável por fazer a aproximação entre os motoristas parceiros e seus clientes, os passageiros, não havendo relação hierárquica entre as pessoas dessa relação.

"Os motoristas de aplicativo não mantêm relação hierárquica com a empresa Uber porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício entre as partes."

Por fim, o magistrado salientou que as ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia.

"O sistema de transporte privado individual, a partir de provedores de rede de compartilhamento, detém natureza de cunho civil. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma", afirmou.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é devido o pagamento de indenização securitária quando, apesar de não ter havido comunicação prévia da seguradora sobre a resolução do contrato, o segurado ficou inadimplente por longo período antes da ocorrência do sinistro.

Segundo o processo, foi contratado um seguro em 2016, com vigência de cinco anos, mas o segurado pagou apenas oito das 58 parcelas acordadas no contrato. Em 2019, ocorreu o sinistro, e o segurado exigiu a indenização.

Diante da negativa da seguradora, amparada na falta de pagamento das parcelas, o segurado ajuizou a ação de cobrança, que foi julgada improcedente. O tribunal de segunda instância, entretanto, reformou a sentença por entender que a seguradora não comprovou a prévia comunicação ao segurado a respeito do atraso no pagamento.

No recurso especial dirigido ao STJ, a seguradora sustentou que a indenização não seria devida em razão do longo tempo em que o segurado permaneceu inadimplente.

Seguradora precisa notificar o segurado sobre o atraso das parcelas

A relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que o artigo 763 do Código Civil (CC) determina que o segurado que estiver em atraso com o pagamento não terá o direito de receber a indenização se o sinistro ocorrer antes da regularização do débito. Todavia, ela lembrou que a Segunda Seção adotou o entendimento de que, para se configurar a inadimplência tratada no dispositivo legal, é necessário que o segurado seja previamente notificado.

Essa posição está sedimentada na Súmula 616 do STJ, que dispõe que a indenização deve ser paga pela seguradora se ela não tiver enviado ao segurado a notificação prévia sobre o atraso das parcelas. "A lógica do entendimento é evitar a desvantagem exagerada para o segurado impontual, de forma conciliadora e razoável", acrescentou a ministra.

Por outro lado, a relatora destacou que o STJ tem afastado excepcionalmente a aplicação da súmula nos casos em que o segurado está inadimplente por longo período e a seguradora não conseguiu comunicar a rescisão unilateral do contrato.

Conforme enfatizou a ministra, não há um prazo exato de inadimplência para afastar a súmula e admitir que a seguradora se recuse a pagar a indenização. Por isso, o tempo de atraso não pode ser a única condição a ser observada, sendo necessário analisar o contexto de cada caso, disse ela. De acordo com Nancy Andrighi, além do tempo de inadimplência, devem ser verificados outros aspectos, como o início de vigência do contrato, o percentual da obrigação que já foi cumprido e as condições pessoais do segurado, entre outros.

Comportamento do segurado violou o princípio da boa-fé  

Ao dar provimento ao recurso da seguradora, a ministra ressaltou que, no caso, houve inadimplemento substancial e relevante do contrato, pois o segurado quitou apenas os oito primeiros meses e ficou sem pagar por 23 meses até a ocorrência do sinistro. Além disso, ela destacou que o segurado, por ser pessoa jurídica, tem conhecimento técnico suficiente para lidar com suas obrigações contratuais.

A relatora também enfatizou que, mesmo com a falta de comunicação ao segurado sobre a inadimplência, admitir o pagamento do prêmio sob essas circunstâncias desprezaria os deveres de boa-fé que são exigidos no cumprimento contratual.

"Em respeito ao princípio da boa-fé, não se pode admitir que a Súmula 616, que busca proteger o consumidor de uma onerosidade excessiva quando houver um mero atraso de pagamento, seja utilizada para fins espúrios, desviando-se de sua real finalidade de proteção ao consumidor, além de comprometer o equilíbrio contratual e a confiança entre as partes", concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.160.515.

 

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